sexta-feira, 29 de julho de 2011

Margarida Rebelo


"O tempo passa a ser nosso em vez de sermos nós dele.
E tudo o que dizemos tem graça, e tudo o que fazemos é fácil, certo e bom...
Não tem nome este estado de graça,
de se sentir a vida a pulsar debaixo da pele
e coragem para fazer tudo o que ainda não conseguimos.
Não tem nome, nem pode ter, porque é tão forte e tão grande que não cabe num dicionário.
Não é paixão porque não dói, nem atração porque não inquieta.
É um quase tudo mas ainda não é nada, porque não houve tempo.
E o tempo que tão sabiamente apaga desejos incendiários e nos resolve dramas de tirar o sono
e secar as lágrimas,
é mais uma vez o nosso maior aliado,
de mãos dadas com a euforia
que nos enche de graça a existência.
Só é preciso não ter pressa,
deixar passar o tempo devagarinho
e fazer figas para dar certo.
E eu adoro fazer figas."

Margarida Rebelo Pinto

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Terra-mãe: desespero

Cá estou a te amparar,

Dias e noites sem fim.

Do meu piso teu alimento.

Do ar que circunda, vida!


Estou a arder do sol,

Em círculos pela amplidão.

Água límpida das nascentes,

A espera da tua proteção.


Cada dia perco copas,

Quase não há onde florir.

Terra árida sem meu choro,

Quer em deserto se fundir.


E sem controle,

Onde choro, tudo vou levando.

Efeitos do teu desprezo!

Prateada, sob a lua, vagando.


Meu chão pisado, mágoa!

Impotente, castigada.

Imploro-te carinho.

Preciso ser!


Terra-mãe, desespero.

Filho meu, em trincheiras, metralhado.

Sem árvores a sombrear,

O solo arde esquecido, maltratado.


(Sandra Garcia 2011)


Poesia publicada na Coletânea "Joaquim Moncks &Amigos".

Editora Alternativa - RS, 2011

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Tempo Não Perdoa!

A vida segue seu curso em velocidade acelerada, porque o tempo, implacável, não perdoa. A infância perde seu sabor, numa piscar d’olhos, e cede lugar à maturidade fria e calculista. Esta varre para um canto da alma todos os nossos sonhos e fantasias e nos mostra que a brincadeira é séria. De repente, percebemos que os dias se passaram, e a existência deixou suas marcas profundas: saudades, algumas alegrias e dores que não se calam. Descobrimos que deveríamos ter feito algo que não fizemos, mas não dá mais tempo, porque o tempo não perdoa.

(Sandra Garcia)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

As páginas da vida


A vida é um caminho sem volta, as indecisões dessa estrada
são as pedras mais insistentes; a saudade do que ficou, o sabor
mais amargo; e a tristeza, o espinho mais agudo.
Podemos dobrar uma esquina assim como podemos virar a página,
pois o livro da existência é escrito por ninguém mais, além de nós.
Sou escritor do meu destino, sempre que necessário, viro as páginas da vida para alterar meu enredo.

(Sandra Garcia)

sábado, 16 de julho de 2011

Dom Casmurro


"A vida é uma ópera e uma grande ópera.
O tenor e o barítono lutam pelo soprano,
em presença do baixo e dos comprimários,
quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor
em presença do mesmo baixo e dos comprimários.
Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração
é excelente"...

Machado de Assis - Dom Casmurro, p.13
16/07/2011

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Contemplo O Lago Mudo

Contemplo o lago mudo

Que uma brisa estremece.

Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.


O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.


Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?


(Fernando Pessoa - Cancioneiro- 04/08/1930)

Disponível em: <http://www.pessoa.art.br/?p=462> Acesso em: 15/07/2011

domingo, 3 de julho de 2011

Amor

Amemos! Quero de amor

Viver no teu coração!

Sofrer e amar essa dor

Que desmaia de paixão!

Na tu'alma, em teus encantos

E na tua palidez

E nos teus ardentes prantos

Suspirar de languidez!

Quero em teus lábios beber

Os teus amores do céu,

Quero em teu seio morrer

No enlevo do seio teu!

Quero viver d'esperança,

Quero tremer e sentir!

Na tua cheirosa trança

Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,

Minha'alma, meu coração!

Que noite, que noite bela!

Como é doce a viração!

E entre os suspiros do vento

Da noite ao mole frescor,

Quero viver um momento,

Morrer contigo de amor!


(Álvares de Azevedo)

Escrito por uma criança Angolana.

Quando eu nasci, era preto.

Quando cresci, era preto.
Quando pego sol, fico preto.
Quando sinto frio, continuo preto.
Quando estou assustado, também. Fico preto.
Quando estou doente, preto.
E, quando eu morrer, continuarei preto!
E você, cara Branco.
Quando nasce, você é rosa.
Quando cresce, você é branco.
Quando você pega sol, fica vermelho.
Quando sente frio, você fica roxo.
Quando você se assusta, fica amarelo.
Quando você está doente, fica verde.
Quando você morrer, você ficará cinzento!
E você vem me chamar de homem de cor?

(desconheço a autoria)

O sentir por... Manoel de Barros

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada, a minha aldeia estava morta.

Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.

Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador.

Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa

Mais justa para cobrir sua noiva.

A foto saiu legal.


(Manoel de Barros)