segunda-feira, 7 de junho de 2010

Natureza Viva


Teu mundo se acanhou consideravelmente. Habitas a toca e nela tens pretendido ampliar países e continentes. Pelos andaimes, sujas escadas do tegúrio, o que sobra do teu coração é um atlas para os acidentes do homem. Pálido ficou o teu rosto, onde crescem barba e bigode – desordenados. Não nasce sequer capim entre o horror e a zoofilia. Ainda que você se esforce por fazer brotar no janeiro ingente uma rude bromélia áspera e viva. Não que deixe de ser delicado o modo como ajeitas o chapéu no espelhinho da jaula.
Execraste a memória de pais, tios e avós - só o teu guarda-chuva te consola, furioso ao sol, te servindo de bengala. Também não há muito pra onde ir, além do cárcere. Fora do reduzido quintal inexiste lobisomem que ouse ganir sob o luar alheio. Vasto, o teu subúrbio te protege, a um tempo hemisfério e quarteirão, quintal e ninho. Um homem não é bem isso, nem estes pelos que lhe turvam o braço.

Em vão você procurou o sentimento fraco de lhe caber no peito todos os homens, e a humanidade inteira. Não, funesta serpente, só há trapaça e rancor onde dois homens se juntam – se a causa é a solidão e a desesperança. Vai, tímido vagau, participar com mãos operárias da aturdida oficina humana. Já sabes o preço desta vida curva: de nada adianta evitar a noite em que pressentes, com nojo, na cabeluda mariposa noturna, o desenho túmido de um mandrová maduro. Sombrios jogos de ocupação dos celibatários, dos viúvos, dos dráculas, das cartomantes, dos lobos e dos vampiros.

Quando acontece da tarde inchar de moscas o tugúrio, esgueira-te pelas ruas, praças, filas, ônibus, cinemas. Vai contigo a tua sombra; o teu fantasma te consola. Ninguém percebe e nem é por você percebido. Certamente anotas de passagem o cavalheiro, no expresso, ao lado; ele é que ignora as tuas mãos brancas em excesso, de compridas unhas, e como lhe agarra o dedo uma aliança de ouro.

Inútil buscar nos manuais lupinos a decifração do problema ou de suas possíveis causas. O que há é uma floresta inteira de bichos no escuro, uns mais, outros menos acanhados, e, mesmo com esforço, difícil encontrar o animal aproximado. Será um antílope? Um leopardo ou um elefante?Quem sabe um batráquio encantado por uma medusa.

O fato é que a noite põe estrelas no céu da tua janela, e então, pela fenda do muro, crack up, que daqui se olha, possível assistir, a uma única vez, ao espetáculo do jogo de cores da dança dos camaleões.

Dúbio animal em extinção, é uma hora tão quieta, que você, de melancólico pescoço, chega a parecer um dinossauro.

(Wilson Bueno)

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