quarta-feira, 29 de junho de 2011

Todo Mundo e Ninguém

Auto da Lusitânia

As personagens de Todo Mundo e Ninguém entram em cena e começam a conversar; sem que saibam, porém, são observados por Berzebu e Dinato, que registram tudo o que ouvem para depois comunicarem a Lúcifer. Observe o caráter simbólico da cena.

Todo Mundo e Ninguém

Entra Todo Mundo, homem como rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que se lhe perdeu; e logo após ele um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém, e diz:

Ninguém: Que andas tu aí buscando?

Todo Mundo: Mil cousas ando a buscar:

delas não posso achar, porém ando perfiando1,

por quão bom é perfiar.

Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?

Todo Mundo: Eu hei nome, Todo Mundo,

e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro,

e sempre nisso me afundo.

Ninguém: Eu hei nome, Ninguém,

e busco a consciência

(Berzebu para Dinato)

Berzebu: Esta é boa experiência!

Dinato, escreve isto bem.

Dinato: Que escreverei, companheiro?

Berzebu: Que ninguém busca consciência,

e Todo Mundo dinheiro.

(Ninguém para Todo Mundo)

Ninguém: E agora que buscas lá?

Todo Mundo: Busco honra muito grande2.

Ninguém: E eu virtude,

que Deus mande que tope3 co ela4

(Berzebu para Dinato)

Berzebu: Outra adição nos açude:

escreve aí, a fundo,

que busca honra Todo Mundo

e Ninguém busca virtude.

Ninguém: Buscas outro mor5 bem qu’esse?

Todo Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto eu fizesse.

Ninguém: E eu quem me repreendesse em cada cousa que eu errasse.

(Berzebu para Dinato)

Berzebu: Escreve mais.

Dinato: Que tens sabido?

Berzebu: Que quer em extremo grado

Todo Mundo ser louvado,

e Ninguém ser repreendido.

(Ninguém para Todo Mundo)

Ninguém: Buscas mais, amigo meu?

Todo Mundo: Busco a vida a quem ma dê.

Ninguém: A vida não sei que é, a morte conheço eu.

(Berzebu para Dinato)

Berzebu: Escreve lá outra sorte6.

Dinato: Que sorte?

Berzebu: Muito garrida7.

Todo Mundo busca a vida,

e Ninguém conhece a morte.

(Todo Mundo para Ninguém)

Todo Mundo: E mais queria o paraíso,

sem mo ninguém estorvar.

Ninguém: E eu ponho-me a pagar quanto devo pêra isso.

(Berzebu para Dinato)

Berzebu: Escreve com muito aviso.

Dinato: Que escreverei?

Berzebu: Escreve que

Todo Mundo quer paraíso,

e Ninguém paga o que deve.

(Todo Mundo para Ninguém)

Todo Mundo: Folgo8 muito d’enganar,

e mentir nasceu comigo.

Ninguém: Eu sempre verdade digo,

sem nunca me desviar.

(Berzebu para Dinato)

Berzebu: Ora escreve lá, compadre,

não sejas tu preguiçoso!

Dinato: Quê?

Berzebu: Que Todo Mundo é mentiroso

e Ninguém diz a verdade.

(Ninguém para Todo Mundo)

Ninguém: Que mais buscas?

Todo Mundo: Lisonjar9.

Ninguém: Eu sou todo desengano.

(Berzebu para Dinato)

Berzebu: Escreve, ande la mano!10

Dinato: Que me mandas assentar?

Berzebu: Põe aí mui declarado, não te fique no tinteiro: Todo o Mundo é lisonjeiro, e Ninguém desenganado.

(Apud Moisés, Massud (org.). A literatura portuguesa através dos textos. 9. ed. São Paulo, Cultrix, 1980. p. 63-66)

1. Me esforçando.

2. Respeito social.

3. Encontre.

4. Com ela.

5. Maior.

6. Ideia.

7. Interessante.

8. Gosto, aprecio.

9. Bajular.

10. Mãos à obra.

(Tufano, Douglas. Estudos de literatura brasileira. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 1998.)

Sandra Garcia

2 comentários:

  1. Todo Mundo e Ninguém ,fiz no teatro ,eu era Ninguém.
    Fui com uma roupa esfarrapada e o pessoal riu de fazer bico...
    Fica bem bacana fazer teatro !

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  2. Aqui é Beatriz Almeida esse menino vai me matar eu fiz Letras.
    Hoje :Mamãe socorro fiz xixi vermelho aí aí.
    Não menino é que você comeu salada de beterraba.
    Pronto falei.
    Tô ferrada

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