domingo, 3 de julho de 2011

O sentir por... Manoel de Barros

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada, a minha aldeia estava morta.

Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.

Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador.

Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa

Mais justa para cobrir sua noiva.

A foto saiu legal.


(Manoel de Barros)


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